Próxima estação, Paris - 1º parte
Textos sobre literatura, música, cinema e filosofia - e sobre o que mais vier.
Humanista;
sim. Se pudesse resumir este filme em uma só palavra, seria esta. Incrível como
a simplicidade é tão poderosa capaz de criar um tsunami em nossa essência. Fazer-nos
tremer diante do bem-querer e a graça do espírito latino. Foram essas sensações
que experimentei ao assistir esta linda película. O filme é ambientado no início dos
anos ano de 1960, ocasião em que a França recebeu um grande número de imigrantes
espanhol fugidos do sangrento regime autoritário do General Franco. Algumas
destas mulheres ibéricas tentavam a vida em Paris como empregadas domésticas, ocupando
normalmente o 6º andar dos prédios da cidade, vivendo em condições extremamente
insalubres, sem água corrente, com apenas um pequeno sanitário e apertando-se
em pequenos cubículos sem arejamento. Qualquer semelhança com alguma situação
conhecida não é mera coincidência. Em um desses
prédios mora o burguês Jean-Louis Joubert, que tem
uma vida sem entraves financeiros. Casado com sua elegante e refinada esposa
Suzanne, tem sua rotina organizada entre seu trabalho como corretor na bolsa de
valores e seu apartamento de classe média-alta em Paris. Pai de dois meninos,
Jean-Louis pode até não compreender, mas tem uma vidinha bem maçante. Sistemático,
exige que seu ovo no café da manhã seja cozido no tempo exato, caso contrário
sua refeição e seu dia serão péssimos de forma irreversível. Após a morte da
mãe, Jean-Louis tem de suportar os caprichos da sua mulher, que enfim tem a
oportunidade de se posicionar como a verdadeira dona da casa. Para mostrar quem
realmente manda, sua primeira atitude é assediar moralmente a antiga empregada
até que esta resolveu pedir demissão e contratar uma nova que possa fazer as
coisas do seu jeito. É nesse exato momento que a jovem espanhola Maria entra na
vida deste bonachão; não só ela, mas todas as outras empregadas espanholas que
na verdade são um exemplo de perseverança e alegria, sempre bem-humoradas
(mesmo quando são contrariadas) e com a inabalável esperança de um dia voltar ao
seu país e àqueles que lá ficaram. Ao conhecer a nova empregada Maria,
Jean-Louis fica automaticamente arrebatado com esse lado amável e irreverente
das espanholas, um contraponto extremo à atitude virtualmente blasé de sua mulher e amigas. Não demora até que Jean-Louis
decida-se por ajudar as domésticas – o que vai desde desentupir o banheiro grupal
até consentir que uma delas ligue para a Espanha para saber como está o
sobrinho bebê. Todo esse encanto acabará por transformar-se em uma curiosa
paixão inexplicável pela bela e jovem Maria, o que irá acarretar uma série de
problemas não só para Jean-Louis, mas para toda a sua família.
Depois
de ver esta obra maravilhosa não há como evitar a avalanche de sentimentos. "Amores
Parisienses" é uma excelente comédia carregada de emoção e humanismo. Na
época, aos 75 anos de idade, Alain Resnais, o laureado cineasta francês,
responsável por grandes sucessos como "Hiroshima, meu
Amor" e "O Ano Passado em Marienbad", tinha por objetivo apresentar
através desta película uma mensagem simples, porém original, para expressar as
emoções que podem transbordar dos corações de pessoas comuns; como eu e você.
Não deixa de explorar a alma humana, mas emprega a música nos diálogos dos
personagens a fim de tornar a narrativa mais leve. Resnais recheia o filme
docemente com canções francesas que nos fazem sonhar com a cidade luz (confesso
que sonho acordado com esta cidade já faz algum tempo), através dos
personagens, como monólogos interiores, pensamentos e comentários a ações dos
outros. As músicas são ouvidas em suas versões originais, não importando o sexo
do personagem. Essa inovação, introduzida por Resnais, provoca resultados interessantes
e até mesmo engraçados quando personagens femininos cantam com a voz original
do cantor que gravou a canção, e vice-versa. Em uma cena, por exemplo, em que
Nicolas, apaixonado por Odile, a visita em sua casa, na presença, do esposo,
Claude, os três personagens comentam a situação valendo-se das canções. O que
os espectadores ouvem são o que eles pensam, através das músicas, nas vozes dos
verdadeiros intérpretes das mesmas. De todas as canções, a minha predileta é
“Paroles, paroles”, na voz de Alain Delon e Dalida.

Este é sem dúvida um belo livro escrito pelo franco-belga Georges Simenon. O Cão Amarelo. Neste trabalho do gênio do romance psicológico, o leitor segue junto a investigação feita por Jules Maigret, comissário da Policial Judiciária francesa, na pequena cidade litorânea de Concarneau. Após um tiro misterioso no meio da noite em um ilustre cliente do café L’Amiral, o oficial é enviado para resolver o episódio e, ao chegar, presencia uma tentativa de envenenamento de outros três fregueses através de estricnina dentro de garrafas de vinho pernod. Logo após, o automóvel de um desses aparece abandonado e sujo de sangue, o dono desaparecido. Maigret deve resolver o caso e, para isso, deve descobrir de onde vem o bizarro cão amarelo que aparece entre ou mesmo durante as tentativas de homicídio. Um lance importante da história é, sem dúvida, a forma humana como comissário conduz não só este caso, mas, todos os casos de sua bem sucedida carreira. Observa cada detalhe de tudo ou todos, nem sempre respeita as leis e, acima de tudo, nunca deduz nada. Para ele, impressões digitais ou objetos deixados na cena do crime valem bem menos do que gestos, olhares, silêncios ou mesmo a presença de um cão sem dono. Ainda, no capítulo VIII, Maigret lê suas conclusões do caso até então. Esse fato ajuda aqueles que “jogam” com os casos policiais: que querem encontrar o criminoso antes que este seja revelado. Simenon tem uma abordagem bem realista, e às vezes Maigret fica sem pistas para seguir e tem de esperar o mistério continuar a se desenrolar, a fazer sua jogada: assim como em uma partida de xadrez.
As noites de domingos sempre são
propícias para um bom filme e ontem não foi diferente; fim de noite com um
grande clássico do Woody Allen é formidável. E Mais uma vez ele se destaca; não
só Woody como também a excelente Diane
Keaton. Sempre que assisto a um filme de Allen, fico maravilhado com a sua habilidade
em fazer o espectador refletir, ainda que este não o perceba. Suas fitas, em
sua imensa maioria, são inteligentes e bem construídas, além de terem um humor
irônico que só Woody consegue trazer.
Uma
grande película que assisti nesses últimos dias foi o fantástico “Estranha
Compulsão”, de 1959. O longa-metragem estrelado por Orson Welles fundamenta-se em
uma história real, ocorrida em Chicago, na década de 1920, sobre dois jovens
amigos almofadinhas abastados, astutos, que resolvem matar por puro prazer de
se sentirem acima do resto do mundo. Mas algo errado
os denuncia. São descobertos e foram parar atrás das grades, aguardando o
julgamento que possivelmente os levaria à forca. O único capaz de mudar o rumo
da vida dos dois é o melhor advogado do país, Jonathan Wilk (Orson Welles).