Às vezes
tenho a impressão de que os melhores livros que eu leio são aqueles que compro
na total impulsividade. Aqueles nos quais simplesmente bato os olhos vejo a
capa, abro-o, folheio durante dois minutos e penso: "Vou levar este".
Pode ser que eu nunca tenha sequer ouvido falar no livro, ou no autor. Mas ele
me fisga de tal maneira que me sinto totalmente atraído por ele, a ponto de
querer levá-lo para casa. Foi isso o que aconteceu com Os devaneios do caminhante solitário (Les Revêries du Promeneur Solitaire,
1782), escrito pelo genial filósofo e músico suíço Jean-Jacques Rousseau.
Comprei-o mais por impulso do que por qualquer outra coisa; nesse caso, eu
obviamente conhecia o autor, mas não sabia da existência desse título de sua
autoria. Puxei-o da prateleira, abri e comecei a ler algumas páginas aqui e
acolá. Caí exatamente no seguinte parágrafo, que me cativou logo de cara:
Vi muitos
que filosofavam de maneira muito mais douta que eu, mas sua filosofia lhes era,
de certa forma, estranha. Querendo ser mais sábios que outros, estudavam o
universo para saber como este estava arranjado, como teriam estudado alguma
máquina que tivessem encontrado, por pura curiosidade. Estudavam a natureza
humana para dela poder falar com sabedoria, mas não para se conhecerem (…)[p.
29].
Essas e
outras poucas linhas foram o suficiente para que eu pensasse: "Este livro
será a minha leitura da semana." Finalizei-o quinta-feira passada e não me
arrependi nem um pouco. É interessantíssimo.
O livro é
dividido em “dez caminhadas”,
cada qual abarcando um tema específico, alguns deles aparecendo mais de uma
vez. O curioso é notar que o termo "caminhada" não tem sentido
literal, mas metafórico, como se correspondesse a uma espécie de trilha
filosófica e meditativa. Rousseau adorava passear a pé por campos e bosques
floridos, e resolveu estender o conceito de caminhada também aos seus
devaneios. O processo criativo de cada capítulo me pareceu interessantíssimo:
fiquei com a sensação de que o autor puxava a pena e o papel sem a menor ideia
do que escreveria naquele dia, deixando sua mente vagar a esmo dentro de
determinados assuntos. A partir daí, sua caneta ia apenas acompanhando a
torrente de pensamentos que o acometia – sem, no entanto, perder o foco.
Achei
extremamente prazeroso acompanhar esses devaneios de Rousseau. Ele escreve suas
impressões íntimas de uma forma tão simples, tão inteligível, tão sincera, que
é impossível não sentir um ótimo sabor em suas palavras. Excelente redator, sem
dúvida, Rousseau mistura sua filosofia de vida à experiência cotidiana, sem com
isso almejar alcançar status de filósofo. Aliás, no início do livro o
próprio autor confessa que pouco lhe importa se essas páginas serão lidas por
alguma pessoa, ou se serão destruídas ou transmitidas às gerações futuras: o
que importa é sentir o prazer imediato que ele tem ao escrevê-las. O puro
prazer de redigir suas impressões. Recomendadíssimo para quem quer uma dose pequena
e rápida de boa literatura e de boas reflexões sobre a vida e os homens.
"(...)
sejamos sempre verdadeiros, mesmo com todos os riscos. A justiça está na
verdade das coisas; a mentira é sempre iniqüidade, e o erro é sempre impostura
quando provocamos algo que não segue a regra do que devemos fazer ou crer: e
seja qual for o efeito resultante da verdade, sempre somos inocentes quando a
dissemos, pois nada lhe acrescentamos de puramente nosso." [p. 48].