quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

84, Charing Cross Road é uma experiencia sublime, poética e, acima de tudo, abençoada pelo amor...


Sou fã de livros epistolares. De verdade. Gosto porque me sinto parte, mesmo não fazendo parte. Ler as cartas trocadas por alguém é como espiar por cima do ombro, participar em silêncio. Às vezes vibrar. 84 Charing Cross Road, livro de Helene Hanff, que, mais tarde, foi adaptado para o cinema num filme estrelado por Anne Bancroft e Anthony Hopkins, é constituído única e exclusivamente por cartas. Um punhado delas. Correspondências curtas que raramente ultrapassam uma página e que foram trocadas entre 1949 e 1971, por uma escritora pobretona estadunidense (a própria Helene), e Frank Doel, um livreiro londrino que trabalhava num sebo de livros raros.

Foi maravilhoso, à medida que lia o livro poder perceber o crescimento paulatino desse amor. E também a maneira como os laços se construíram. Num tempo em que a internet era apenas um sonho distante, em que a separação continental era mesmo uma distância continental, Helene fez amigos que nunca viu e graças a seu humor particular (ela ficava brava, mas de mentirinha, quando não encontravam um livro que ela procurava) e a seu amor aos livros (achava mágico o toque, a textura e as linhas) encontrou pares e seres humanos.
 
Tudo começa quando Helene responde um anúncio que viu num jornal. A gente sabe disso não por causa de uma introdução, mas porque a primeira carta remetida por ela começa assim. É agradável observar como todo aquele cerimonial do inicio se esvai ao longo dos anos (sim, anos, porque aparentemente o que dizem sobre a reserva dos ingleses é bem verdade) e também como Doel se fez presente na vida de Helene e vice-versa. O amor – dá pra chamar assim? – é genuíno, mas sempre espirituoso, respeitoso e implícito. Frank Doel é casado. E Nora, sua esposa, também acaba, em determinado ponto, se correspondendo por Helene. O amor que vemos não é romântico, não é idealizado. O amor que assistimos nascer é um laço de ternura que nunca é nominado, mas que está presente entre as linhas.
Além do fator humano, evidenciado por comentários breves e contidos – e também por presentes enviados por ambas as partes, o contexto político e social em que as personagens (personagens?) estão inseridas se evidencia. A crise que a Inglaterra do pós-guerra passava, assim como o racionamento de comida, surge como assuntos corriqueiros (nunca expostos pelos ingleses, mas abordados por Helene); da mesma maneira com que esse tipo de situação é contornado pelo tempo. O tempo, aliás, está sempre presente. Conforme a amizade de Doel e Helene cresce, ela tenciona viajar para enfim conhecer a livraria e todos os lugares que seus autores favoritos mencionavam em suas obras. A imaginação corre solta, e Helene pede, também por carta, que amigos americanos descrevam como é a livraria e as pessoas que lá estão. O terreno, tão idealizado, vira mais do que um sonho. Vira objeto de desejo. Porém necessidades maiores (arrumar uma casa após ser despejada, pagar o dentista e/ou ser demitida) fazem com que ela adie indefinidamente seus planos. Não é preciso ser gênio para matar, muito antes do fim, o que vai acontecer. O encontro idealizado não acontece. E os dois amigos nunca chegam a se conhecer. E se isso não chega a ser uma surpresa, a maneira com que acontece é. E há emoção pela crueza, e, por que não, pela leveza com que tudo é comunicado. Talvez alguns leitores possam pensar 84, Charing Cross Road é monótono, ou apenas um casal de pessoas correspondente sobre leitura. Aqueles que se divertem encontrarão uma espirituosa série de cartas sobre a alegria de livros antigos, a interação das culturas americanas e inglesa e o desenvolvimento de um amor sublime entre Hanff e Doel, que chegou ao ponto de ser compartilhado entre si e para seus amigos e familiares.

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