segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Crise. O primeiro filme do gênio Ingmar Bergman...


Assisti ontem em DVD ao maravilhoso filme sueco “Crise”, dirigido por um dos maiores cineastas de todos os tempos Ingmar Bergman, que fez sua estreia como diretor de cinema com esta fita. O mundo vivia os tempos do pós-guerra, a Itália aparecia com o neo-realismo e a tentativa de entender e mostrar, através do cinema, as dores de um povo abalado pelo conflito. O Brasil estava obcecado pela busca por um cinema de qualidade internacional e os EUA se preparavam para entrar nos seus anos de maior força e criatividade do cinema clássico e narrativo. E lá na região escandinava, em plena Suécia, aparecia um jovem de 27 anos com um filme que parecia não se encaixar em movimento algum. Era simplesmente um drama familiar – ou, como diz a narração que abre o filme: “apenas mais uma peça de todo dia”.  Através desse filme conheceremos a história de vida da jovem Nelly, uma garota cheia de vida e empolgação, prestes a se casar com Ulf, a quem parece amar. Mora numa cidadezinha do interior da Suécia com Ingeborg, a mãe adotiva, e leva uma vida simples, porém confortável, sem maiores riscos. Certo dia chega sua mãe verdadeira, mulher vivida e de ego inflado, que faz um convite à filha: levá-la para morar na cidade grande (Estocolmo). A inocência e a curiosidade, misturadas a certa ideia de que sua mãe biológica é “dona do próprio nariz”, fazem Nelly aceitar o convite. Logo as duas partem a Estocolmo, deixando inconsoláveis a mãe adotiva, que está doente, e o ex-namorado, que ainda guarda esperanças de um dia a moça voltar. Daí em diante, o filme se divide entre as aflições de quem ficou e as adversidades de quem foi. De um lado, a mãe adotiva precisa conviver com a falta de sua pequena e com a proximidade da morte; do outro, Nelly se vê envolvida numa trama execrável de depravação quando um grande amigo de sua mãe a seduz. Entram em cena a morte, a rondar os personagens de formas variadas; a repressão sexual que, quando anulada, provoca reações extremas; os sentimentos guardados e subitamente explicitados em árduos diálogos; o desapontamento com os próprios familiares, pessoas que, na tentativa de serem felizes de algum jeito, deixam outros infelizes e a hipocrisia das aparências em detrimento de uma verdade sobre a própria natureza do ser humano.

O final pode até aparentar um Happy End, mas está longe de o ser. Bergman opta por mostrar que, apesar das agruras e riscos, a vida tem mais momentos de fascinação do que de aflição. É como o fim de Gritos e Sussurros, (outro filme de Bergman) e de boa parte de vários de seus filmes: em meio a toda a confusão da natureza humana, o que deve ser mais valorizado e ficar retido na memória é o que pode ser proporcionado de melhor. “É como um bom curto-circuito”, diz Ingeborg, em relação a tudo que lhe aconteceu. Parece resumir o pensamento de Bergman: para o homem ser completo, ele precisa viver na base de vários curtos-circuitos que o façam sofrer e sentir a necessidade de encontrar e valorizar a felicidade.

 

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