terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Poesia e emoção no livro "Cartas do meu moinho"




Ontem eu acabei de ler com enorme deleite, um livro antigo chamado "Cartas do meu Moinho", do escritor francês Alphonse Daudet. Estava perdido num cantinho da minha estante, cheio de recordações antigas, dedicatórias de antigos donos (devo dizer que encomendei de um sebo de São Paulo). Foi oferecida a antiga dona por conta de seu aniversário de quinze anos. Fiquei fascinado por este clássico por causa das belas histórias que ele narra. Trata-se do relato de um poeta durante um período de sua vida em que morou num velho Moinho abandonado, no sul da França, na região da Provença. A sua estadia nesta região bucólica o ensinou muito sobre a cultura e o folclore local, o que foi de suma importância para que o autor pudesse escrever fábulas sobre a cultura local. Quando acabei de ler esta preciosidade, decidi que um dia, também escreveria um livro assim, cheio de imagens belas e de palavras coloridas, que nos fazem sonhar e viajar para terras longínquas. Aqui trago um trecho desta maravilhosa obra:



"As Estrelas - Narrativa de um Pastor Provençal"




“No tempo em que eu guardava gado no Luberon, estava semanas inteiras sem ver vivalma, sozinho na pastagem com o meu cão Labri e as minhas ovelhas. Lá de longe em longe, o eremita do Monte Ure passava por ali á procura de ervas medicinais, outras vezes eu via a cara enfarruscada de algum carvoeiro de Piemonte (…). Por isso, de quinze em quinze dias, quando ouvia no caminho os guizos da mula da nossa quinta que ia levar-me as provisões da quinzena, e via aparecer a pouco e pouco, acima da encosta, a cabeça esperta do moço da quinta ou a touca berrante da velha tia Norade, sentia-me verdadeiramente feliz. Pedia-lhes que me contassem as novidades lá de baixo, os baptismos e os casamentos; mas o que mais me interessava era saber o que era feito da filha dos patrões, a menina Stéphanette, a rapariga mais linda dez léguas em redor. Sem mostrar demasiado interesse, informava-me se ela ia muito a festas, a serões e se continuava a ter muitos pretendentes; e a quem me perguntar o que isso me importava, a mim, pobre pastor da montanha, eu respondo que tinha 20 anos e que a Stéphanette era a coisa mais linda que eu tinha visto em toda a minha vida.



(…) Que linda que ela era! Os meus olhos não se cansavam de a olhar. È verdade que nunca a tinha visto de tão perto. Às vezes, no Inverno, quando os rebanhos desciam para a planície e eu voltava á quinta para cear, ela atravessava a casa a correr, sem mesmo falar aos criados, sempre bem arranjada e um pouco orgulhosa… E agora ei tinha-a ali na minha frente, só para mim. Não era de perder a cabeça?


(…) Ela olhou outra vez para o alto, com o queixo apoiado nas mãos, envolta na pele de carneiro como uma pastora de estrelas:- Quantas estrelas! E como é bonito! Nunca tinha visto tantas… e sabes os nomes delas Pastor?


- Sei sim, Patroa… Olhe! Mesmo por cima de nós é a Estrela de Santiago (Via Láctea). Vai desde a França direitinha á Espanha. Foi S. Tiago da Galiza quem a traçou para indicar o caminho ao valente Carlos Magno quando ele fazia guerra ao Sarracenos. Mais além, tem o Carro das Almas (Ursa Maior) com os seus quatro eixos resplandescentes. As três estrelas de lá são as Três Mulas e aquela muito pequenina ao pé da terceira é o Cocheiro. Vê em toda a volta esta chuva de estrelas a caírem? São as Almas que Deus não quer no Céu (…) Mas a estrela mais bonita de todas, Patroa, é a nossa, a Estrela do Pastor, que nos ilumina ao alvorecer quando saímos com o rebanho, e á noite quando o recolhemos. Também lhe chamamos Magalona, a bela Magalona que persegue Pedro de Provença (Saturno) e se casa com ela de sete em sete anos.


- O quê Pastor, as estrelas também se casam?


- Pois casam, Patroa.


E quando tentava explicar-lhe o que eram esses casamentos, senti qualquer coisa fresca e suave pousar levemente no meu ombro. Era a cabeça dela, cheia de sono que se apoiava no meu ombro, num rogaçar de fitas, de rendas e de cabelos ondulados. Ficou assim, imóvel, até que os astros do seu empalidecerem, apagados pela luz do dia.Eu via-a dormir, um pouco perturbado no fundo do meu ser, mas santamente protegido pela noite límpida que nunca me trouxe senão ideias, pensamentos puros. Em nossa volta, as estrelas continuavam a sua rota silenciosa, dóceis como um imenso rebanho; e por instantes, julguei que uma dessas estrelas, a mais frágil, a mais brilhante de todas, que se perdera no caminho, tinha vindo repousar no meu ombro para dormir.”


Alphonse Daudet, “Cartas do meu Moinho”.



... E vamos ao cinema!!!!!!!

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial