quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A loja de pianos da Rive Gauche



Terrível o calor que faz aqui em Salvador. Mais um pouco e terei a impressão de que estou na Oran, de Camus; onde, como dizia o escritor franco-argelino, “o sol incendiava as casas”. Quero dividir com vocês hoje, o prazer que senti ao terminar a leitura do livro ”A Loja de Pianos da Rive Gauche”, do Franco-estadunidense Thad Carhart. O livro me cativou pela sinceridade do autor ao narrar a sua linda história de amor... Amor pela música, pelo instrumento e por... Paris, que para mim é a metáfora do encantamento em seu mais alto grau. Suas ruas, arquitetura, detalhes, cultura, extrapolam todo e qualquer conceito de desejo, e se ajustam impecavelmente no - com a permissão de Freud - princípio do prazer. Os encantos estão nos detalhes, e a oportunidade que tive em descobrir cada um deles, é um requinte que só os que sabem contemplar o majestoso podem deleitar-se. Apesar de ser fantástico, Não é imprescindível ver “Paris à meia-noite” para desvendar a cidade: basta flanar pelas suas ruas, pelos atalhos e você compreenderá o segredo dessa magia. Foi justamente isso que o autor desse livro delicioso fez: andando pelos arredores de sua casa, na Rive Gauche (que traduzindo para o português significa margem esquerda), deparou-se com uma pequena, porém graciosa loja de pianos. Não uma loja qualquer, mas um ambiente de consertos (e também de concertos, por que não?), de peças de colecionador, de raridades, arte e boa prosa. Como bem diz o autor, a frente da loja de pianos tem (...) “um charme sonolento do século XIX”. Fala de um tempo onde não há pressa, onde cada detalhe dos pianos é cuidado com a polidez das fadas, onde há o registro dos que dedilharam as teclas dos antigos Pleyel e outros pianos maravilhosos. Há a descrição particularizada do interior do instrumento, mas não uma descrição com imagens. Trata-se de uma observação sobre a alma que está na essência de cada peça.
Ao ler o livro, compreenderemos que cada piano trás na sua história, informações tão ou mais humanas, quanto a descrição de pessoas: os deprimidos, por exemplo, condenados a ficarem calados, quer pelo mau trato de seus donos, quer pelo desinteresse ou falta de aptidão de quem o toca, são lamentados. Um piano fadado ao silencio, (...) “é como se confinassem numa solitária alguém que tem muito a dizer”. O personagem Luc, uma espécie de médico dos pianos é uma criatura de alma linda, que trabalha com a sensibilidade de cada uma de suas peças de uma maneira carinhosa, sutil e entusiasmada. Tanto que, naquela loja, apenas algumas pessoas eram permitidas de entrar. Não há aquela ânsia capitalista de vender, lucrar e acumular. Para adquirir um piano, você tem que ser especial. Cada uma das pessoas que frequenta a lojinha, trás um enriquecimento ao leitor e adiciona detalhes, os quais escapam da mera observação de uma restauração, pois Carhart apresenta a essência de cada um e de cada passo: (...) “saber tocar as notas, é só o início; o trabalho de verdade só começa depois, quando quem toca acrescenta algo de si à intenção do compositor”.
Para concluir, digo que esse livro é um poema delicioso que nos ensina a nunca olhar um piano da mesma maneira. Um livro sobre a vida; suas descobertas, suas frustrações, seus encantos. Um livro difícil de parar; que se lê bem devagar para que ele não acabe logo. Para isso (...) “bata à porta, seja paciente e Paris poderá oferecer-lhe mais um de seus inestimáveis prazeres”.

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