terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Seduzida e Abandonada é um filme sem vergonha de ser exagerado. Porque não dá para não ser exagerado diante de tanto horror...


O riso vem com um gosto azedo...

Ontem, após assistir esta bela película dirigida por Pietro germi, tive a impressão de que Germi filmou aquilo com horror – e embaraço.
A Sicília dos anos 1960 que ele mostra é uma sociedade que apresenta um comportamento bárbaro, apegada a conceitos inexplicavelmente idiotas, sem sentido, sem lugar no mundo. A saber: mulher que se entregou (mesmo que por amor) a um homem uma vez sem ter antes se casado é puta, pervertida, desqualificada. O próprio homem que se envolveu tinha todo o direito de se recusar a casar com ela. Sem o hímen, a moça tira a honra de toda sua família, faz com que os seus mergulhem na mais profunda desonra.

 
A sedução é mostrada de cara, nos cinco primeiros minutos....

Na primeira cena, aparece uma cruz, numa esquina de uma acanhada e pobre vila siciliana. Duas mulheres, vestidas de negro de cima abaixo, caminham ligeiramente pelas ruas. Agnese (Stefania Sandrelli) e a empregada dos Ascalone, Consolata (Rosetta Urzi). Enquanto isso vai rolando os créditos iniciais e a voz de um cantor, empostada, antiga, tipo Vicente Celestino, apresenta o drama.
 Diz a letra da música, que vamos ouvindo enquanto rolam os créditos e a musa Stefania Sandrelli anda depressa pelas ruas ao lado da criada:
 “É uma história que quero contar, a da austera família Ascalone. Não é fruto da fantasia, mas uma história verdadeira. A família Ascolone foi ofendida na honra por Peppino, o belo jovem. E Agnese, toda paixão, foi falar com o padre e contar em confissão para descontar o pecado.”

Na tela, dá-se inicio a cena que Agnese relata para o vigário. Na casa dos Ascolone, quase todos dormem a sesta, após um farto almoço. Na sala, Matilde caiu no sono sentada no sofá. Peppino Califano, o noivo dela, retira cuidadosamente a xícara da mão da moça, e a leva para a mesa. Coloca o cigarro aceso no cinzeiro, e se aproxima de Agnese, a irmã mais nova de Matilde, a noiva adormecida. Agnese estuda, sentada à mesa. Na verdade ela está ali cumprindo a ordem paterna de tomar conta do casal.
Peppino asquerosa, nojenta. Veste um terno troncho, com gravata, naquele verão escaldante da Sicília, e por isso tem o rosto suado. Um bigodinho assombroso. Uma figura triste. Ele pergunta onde está Consolata, a empregada, a outra única pessoa acordada na casa. Agnese diz que ela está fora, lavando roupa.

 É nessa hora que Peppino ataca e Agnese tenta se refugiar na cozinha.

 Peppino ataca e Agnese diz não sem vontade alguma de dizer não. Um copo cai no chão. Peppino espera um momento – o silêncio continua então isso é um sinal de que ninguém acordou. O macho louco Ataca novamente. Puxa Agnese para o quintal, no meio das roupas estendidas no varal. As roupas brancas ficam entre a câmara e o cunhado que ataca a garota de 16 anos.

Ao se confessar com o padre; mais humilhações... Chamada dos piores nomes por aquele a quem achava que receberia conforto.

O pai da moça, ao saber do fato, tenta evitar o vexame das maneiras mais estapafúrdias, ampliando cada vez mais o desastre. Estamos num terreno muito próximo das tragédias morais de Nelson Rodrigues.

Seduzida e Abandonada Traz à discussão temas como o ridículo, inominável machismo, a questão da virgindade, da fidelidade eterna e incondicional (das mulheres, é claro). Todos aqueles costumes primevos, que teimavam em permanecerem vivos em plena década de 1960, a que mudou quase tudo no mundo.

Com esse filme, o diretor Pietro Germi não apenas achincalha das grotescas tradições sicilianas. Ele mostra o ridículo delas. Ele as exibe com horror, com nojo e com constrangimento por elas existirem. No “Extras” do DVD, em entrevista, Germi declara que Seduzida e Abandonada (...) “É um filme muito curioso. As pessoas que o viram em sessões privadas tiveram reações muito contrastantes. Alguns saíram rindo muito, enquanto outros saíram transtornados. Ou seja: é um filme divertido e perturbador. (…) Eu diria que é uma espécie de cassata à siciliana, feito de muitos elementos. Boa, mas um tanto indigesta para quem não tem estômago forte”.

O diretor falou também sobre a sua insistência em trazer a tona os costumes e tradições sicilianas. Para ele (...) “Na Sicília são exageradas a características dos italianos em geral. Ouso dizer que a Sicília é a Itália duas vezes. Todos os italianos são sicilianos e os sicilianos são italianos um pouco mais. (…) No fundo, creio que gostaria que as pessoas, ao ver este filme, dissessem: que estranho, rimos muito, mas estamos assustados.”.

Foi justamente o que senti ao ver esse filme. É um filme que nos faz rir  e nos assusta.

Num filme repleto de piadas – em palavras e em gestos –, há uma que Pietro Germi usou duas vezes, e que expressa muito do que o realizador pretendia dizer. Por duas vezes, o delegado do povoado diante de um mapa da Itália, tapa com a mão a Sicília. “Esconde” a Sicília, e olha para o mapa com uma cara como se quisesse dizer assim: ah, como esse país seria melhor…

 Creio que os sicilianos não devem ter gostado muito de Seduzida e Abandonada.

 Danem-se eles. É uma maravilha de filme.

 

 

 

 

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