quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Casamento Silencioso




Foi com muita alegria que pude assistir hoje a tarde através de um canal a cabo, este belo filme romeno. O cinema romeno vem se sobressaindo por apresentar filmes fortes, cruciais e originais se levarmos em conta seu tímido mercado. Filmes premiados como A Leste de Bucareste e Como Festejei o Fim do Mundo chamam a atenção do mundo para essa cinematografia de humor e inventividade bastante singulares. Em 2007, Cristian Mungiu venceu o prêmio do Festival de Cannes com 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias. Numa época em que cinematografias mais clássicas tem proporcionado pouco de realmente inovador, o cinema romeno surge como um grande causador de inovações. Dentre esses filmes está o longa Casamento Silencioso.
O filme começa já nos dias atuais, quando uma equipe de reportagem chega a uma antiga vila romena para fazer uma reportagem sobre fatos sobrenaturais. O lugar solitário é habitado apenas por mulheres enlutadas errantes. Os jornalistas intrigados e solicitam ao prefeito, único homem da terra, que lhes conte o que sobreveio ali. Essa é a deixa para o desenrolar do longo flashback que compõe o filme.
O ano é 1953 e a Romênia vive sob o comando do comunismo russo, embora reúna poucos simpatizantes do regime. A severidade russa era vista com escárnio e troça pelos alegres e agitados moradores daquela região de campesinos onde as discórdias resolviam-se na base de anedotas e vinho na bodega local. Mara e Iancu, jovens na efervescência da paixão, vivem a entranhar-se no bosque para fazer amor, o que vem a público e causa buchicho entre os familiares do casal. O pai da senhorita quer forçar o matrimônio e o pai do rapaz defende a tese de que ela se ofereceu porque quis. Depois de um início de confusão, Iancu restitui a paz ao concordar em se casar com Mara e tudo termina em abraços e embriaguez generalizada. A data é marcada e cada morador se compromete nos preparos da ampla festa grupal. Precisamente no dia da boda, chega à aldeia a notícia da morte de Stalin. O governo russo estabelece sete dias de luto oficial e, durante essa semana, nenhum tipo de celebração será admitido. O festejo, que estava principiando, é interrompido por um oficial russo, que ordena que a gororoba seja recolhida e as mesas desfeitas. Mas os habitantes não pretendem abrir mão de toda comemoração organizada e decidem prosseguir com a festa em segredo, silenciosamente. Evidenciando um senso de humor pra lá de característico, podemos compreender que a trama nos prepara desde os primeiros momentos para o casamento silencioso do título. Àquela altura, já não nos parece improvável que aquelas pessoas arrisquem a vida e a liberdade em nome de uma festança. Porque sua alegria de viver significava a própria liberdade. Era o que os mantinha ligados e lhes dava identidade como aldeia.
A reunião silente e a criatividade com que eles continuam a festejar é uma das mais atraentes sequências que já tive chance de ver no cinema. Puramente antológica. Apesar da situação essencialmente cômica, o sinistro insinua-se no ar e cada episódio divertido mistura-se a um sentimento de tensão muito agudo. Em vários momentos o espectador sente-se perturbado entre achar graça ou atemorizar-se pelo destino daquelas pessoas que bravamente resistem a serem estorvadas em seus direitos. Mesmo que o direito em questão seja algo aparentemente ingênuo como festejar um casamento. A mensagem da história vai muito mais a frente do acontecido naquela minúscula aldeia e fala de uma terra silenciada que transforma no bom humor e na obstinação em não abrir mão de seu estilo de vida uma forma de resistência. Um urro de liberdade em um brinde mudo, em uma banda que toca uma canção imperceptível, em um agradecimento passado de ouvido em ouvido.
Apesar da sequência do casamento ser o ponto alto do filme, outra ocasião que vale a pena ser destacado e serve como prognóstico do que está para ocorrer é quando emissários do governo russo incumbem o prefeito de exibir um filme para o povo. Perante de seus argumentos de que não possuem luz elétrica, o pobre homem é avisado a dar seu jeito sob pena de ser incriminado por impedir o desenvolvimento cultural do povoado. O que se vê no cinema arranjado é pura publicidade ideológica e logo aquelas pessoas mais preocupadas em bem viver do que em ouvir preleções vazias se distraem e criam uma divertida mímica ao estilo de Chaplin que ocorre na plateia, e não na tela. Por tudo isso, o filme do diretor e roteirista Horatiu Malaele é mais um primíssimo clássico do cinema que vem do leste europeu. Que bons ventos permaneçam soprando de lá.


... E vamos ao cinema!!!

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial