quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O Homem que Amava as Mulheres. Mais um dos grandes trabalhos de Truffaut
















O cineasta que adorava as mulheres. Assim podia ser chamado François Truffaut, diretor e crítico francês, importante como um dos jovens turcos a forjar a Nouvelle Vague, a partir do final da década de 50. Neste filme gracioso de 1977, que pode ser considerado um dos mais pessoais do diretor, vemos, desde o início, seu amor pelas mulheres, que se apressam para o enterro do personagem principal. Elas chegam de todos os lugares, uma vem direto de uma partida de tênis. O importante é velar o corpo daquele que as deu alguns momentos de prazer e felicidade.Charles Denner é esse morto, que iremos acompanhar, num longo flashback, em sua eterna caçada ao sexo oposto. Não é um homem belo, não parece possuir o dom de fazer as mulheres suspirarem. No entanto, é adorado por elas.Em um flashback, vemos o toque de gênio de Truffaut. Ele lembra da prostituta que andava depressa para confundir os clientes em potencial. Um corte que mantém o mesmo movimento da câmera mostra sua mãe, também andando depressa. O toque consiste em fazer que a prostituta e a mãe fossem representadas pela mesma atriz. Está aí a chave para a compreensão do personagem masculino. Em visita a um médico, este lhe fala: "não se pode fazer amor o dia inteiro, por isso inventaram o trabalho". Charles Denner é um homem que parece viver para fazer amor, ou melhor, para procurar mulheres com quem possa fazer amor, ou simplesmente observar, o que para ele era uma forma de amar.Quando realizou "O Homem Que Amava as Mulheres", em 1977, François Truffaut estava em uma fase de sua vida em que a morte lhe aparecia como personagem incondicional de sua criação. Foi nesse miolo dos anos 70 que realizou alguns de seus filmes mais sombrios, obras crispadas de um tom lúgubre como "A História de Adèle H" (1975) e "O Quarto Verde" (1978).Mesmo quando narra o amor de um homem pelas mulheres o diretor não escapa dessa personagem tão sinistra. O conquistador Bertrand, vivido por Charles Denner, parece buscar a essência da mulher em cada uma delas. Não se contenta com uma, duas, ou mesmo algumas. Quer logo todas que puder conquistar. Essa busca, se não o isenta da dor que vem com a solidão, ao menos o anestesia de seus verdadeiros problemas. Mas quais seriam esses problemas? Temos o direito de saber? Truffaut parece dizer que a maior angústia de Bertrand é não conseguir se apegar a uma só mulher. Como tantas passam por sua cama, ele mal se lembra de suas feições. Lembra, e bem, do andar de cada uma, apressado, hesitante, assoberbado, seja como for, são esses modos de andar que o atraem para uma espécie de vício da paixão.Talvez a leveza do filme seja responsável por um destaque maior a seu lado negro. Mas Truffaut é hábil o suficiente para não deixar que o tom seja sempre o de uma derrocada. Há o acaso, mas há também o planejado. Há o revés, assim como a surpresa. Bertrand parece carregar em sua linha da vida uma finitude expressa por sua vontade de viver unicamente para amar as mulheres. Não é por acaso que o médico lhe diz, a certa altura, que "não se pode fazer amor o dia todo, e por isso inventaram o trabalho". Pois o trabalho de Bertrand é procurar incessantemente por mulheres. Quanto mais sua procura for indefinida, mais seu sofrimento é tocante, como o que sente pela voz do serviço telefônico que o desperta todos os dias, sem querer maior envolvimento, apesar das insistências dele.Os toques de gênio existem no filme, sem que a forte estrutura fique abalada. Em um flashback, Bertrand lembra da prostituta que anda rápido para confundir os clientes, e faz uma conexão com sua mãe, que andava altiva pelas ruas do bairro. As duas são interpretadas pela mesma atriz. A relação entre os pontos de vista mudam duas vezes no filme, que começa narrado pela editora durante o enterro de Bertrand, passa para ele no primeiro flashback, e volta para a editora no final, depois de passar pelos colegas dela, que haviam reprovado o livro.Tudo isso faz com que a narrativa seja intrincada, inteligente, mas não faça o espectador de otário com reviravoltas incompreensíveis e inverossímeis. O ritmo do amor é o que acompanhamos neste filme doce e emocionante como poucos.

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