quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Nada. O livro que mostra a dura realidade da Espanha dos anos 1940



Carmen Laforet é tida como uma das grandes escritoras espanholas do pós-guerra. E deve isso a “Nada”, seu primeiro romance, festejado como obra-prima apenas dois anos após sua publicação, em 1942, e que acaba de ganhar versão em português pela editora Alfaguara (tradução de Rubia Prates Goldoni). Escrito quando a autora tinha apenas 23 anos, o livro é o retrato de uma Espanha de terceiro mundo, sem ser uma obra cansativamente descritiva ou de tom político. Camen consegue envolver o leitor na dura realidade espanhola do início dos anos 1940 pelas angustias de Andrea, a mocinha provinciana recém-chegada a Barcelona.
Aos 18 anos, é fácil imaginar que o mundo conspira contra. Para Andrea, não faltam motivos. Órfã, ela passa a morar de favor na casa da avó, convivendo com uma família enlouquecida e opressora e, até o dia de sua chegada, completamente desconhecida. A narrativa acompanha o primeiro ano da garota na cidade grande. Nada são flores. Ela atravessa um rigoroso inverno e um verão abafado sentindo a vertigem da fome, da tristeza e da sensação de deslocamento.
No apartamento empoeirado da rua Aribau não há espaço para ingênuas lembranças, nem sonhos de juventude. Andrea logo entende que ali precisa amadurecer rápido, sob pena de perder a sanidade. A saída é manter uma distância psicológica, já que a física é impossível, dos moradores da casa: a tia Angustias, cheia de mistérios e disposta a controlar a sobrinha; o tio Juan, um artista frustrado que vive às tapas com a mulher Gloria; o tio Román, cuja maior diversão é tirar do sério quem estiver por perto; Antonia, a empregada feia e turrona; e mesmo a frágil e débil avó, incapaz de pôr ordem na família.
Fora de casa, Andrea é uma garota de poucas palavras que precisa lidar com outros tipos de problema, como sua falta de tato para as relações pessoais e o dinheiro curto. De uma maneira muito direta, uma coisa influencia a outra. Num país de moral apática e dominado pelo provincianismo, é preciso disfarçar bem os sapatos velhos para ser enxergado em meio à burguesia. A Barcelona de Carmen Laforet é um enorme refúgio de amargurados, onde mesmo os que se propõem serem rebeldes não fogem da caricatura.
Nesse ambiente, Andrea conhece Ena, colega do curso de Letras que consegue ser seu exato oposto. Ena é rica, bonita e vive cercada de pessoas interessantes. A relação das duas é um sopro de alegria na tristonha vida de Andrea, até que a amiga bonitona se deixa levar pelos galanteios de Ramón, o tio meio pervertido, meio sádico. Andrea ainda ensaia uma vida boêmia se aproximando de uma turma de pseudo-artistas moderninhos. Mas nada parece suficiente para Andrea, que enxerga como ninguém as distorções nas relações humanas ao seu redor.
“Nada” é um livro inquietante na medida em que todos os personagens parecem viver fora da realidade, enclausurados nas suas próprias insanidades. Amor e sexo são vistos por uma lente de aumento pela interiorana meio deslumbrada com a cidade grande. O título não poderia ser mais adequado. É no nada, ou nas palavras não ditas, que está o encantamento da narrativa.

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