Textos sobre literatura, música, cinema e filosofia - e sobre o que mais vier.
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Tornatore leva sedução às telas com "Malena"
É difícil ir contra a sedução explícita que Giuseppe Tornatore impõe a Malena. Primeiro, o cenário é o berço esplêndido onde o cineasta nasceu, a Sicília ensolarada e convidativa ao "dolce far niente". Ali, num vilarejo à beira-mar, início dos anos 40, vive Renato, o menino em vias de se tornar homem, em sua própria definição, cujo símbolo de amadurecimento é a bicicleta usada que ganha do pai. Com ela, pode fazer parte da fechada confraria de imberbes que veste calça comprida e adora comparar o tamanho de sua virilidade. Mas a máxima conquista da nova fase só é apresentada a Renato numa das seqüências mais divertidas da fita. Sentados lado a lado, os rapazes se põem a olhar o caminhar diário da deusa local, Maddalena, ou Malena. Interpretada por Monica Belucci, com traços de uma Isabelle Adjani italiana, ela será o amor eterno de Renato. Esse é o quadro sedutor de um cineasta que se especializou em puxar pela emoção do público, seja da forma mais direta e apelativa como em Cinema Paradiso, seja com um tratamento mais sofisticado, restrito mesmo, como em A Lenda do Pianista do Mar. Todos se lembram do primeiro. Foi sucesso internacional e rendeu o Oscar de filme estrangeiro a Tornatore. Depois vieram filmes irregulares, presentes talvez para grandes atores como Marcello Mastroianni em Estamos Todos Bem, o pai idoso que saía pela Itália em busca dos filhos. Títulos bons mesmo, como a deliciosa homenagem ao cinema em O Homem das Estrelas. Também intrigantes e sombrios, como na história extraída do romance de Alessandro Baricco sobre o rapaz que nasce e cresce no navio, se torna um pianista e se recusa a pisar em terra firme. Metáforas não faltam nessa lenda. Crianças, memória, cinema, a Sicília. É o universo predileto de Tornatore e ele não faz questão de enterrá-lo. Vez por outra, como em Uma Simples Formalidade e A Lenda..., esse mundo pode estar disfarçado. Mas nele também está a fábula, a fantasia, para a qual ele volta agora numa mais que reconhecível novela da descoberta por um garoto da sexualidade e do amor - devidamente gasto em ataques de onanismo, quando não priápicos - mote também para um painel histórico em transformação. No dia da descoberta de Malena, Renato (Giuseppe Sulfaro) ouve Mussolini declarar guerra às forças aliadas. Mas não está nem aí para o fato. Só quer rever Malena e a segue por todos os lados, montado em sua bicicleta. Mais tarde, graças a esse fetiche voyeurista, Renato será o pivô da redenção da moça, num gesto que talvez finalmente o identifique como um homem. E ela quer ser vista. Nos passeios diários que faz, entre sua casa e a do pai, o velho professor local, Malena incendeia os olhares masculinos e esses atiçam o desejo. Sabem que o marido da beldade está no front, lutando pela causa fascista. A beleza fulgurante cria problemas familiares e Malena logo é levada a julgamento. A cidade a isola, depois da descoberta que sua cama é muito freqüentada. Chega a notícia da morte do marido. Para não morrer de fome, Malena se prostitui. Seus clientes são os nazistas. O castigo é um dos mais dolorosos do cinema contemporâneo. Dói na alma ver a moça desfigurada em praça pública. Toda a glória e agonia de Renato é contada em flashback, a memória tão cara a Tornatore. Há um acerto de beleza e poesia em nunca deixar que o pequeno herói e sua musa se encontrem, se toquem, a não ser quando a magia já está praticamente dissolvida. Vale a pena guardar em segredo o momento da volta por cima de Malena. Como fez com o personagem de Sergio Castellitto em O Homem das Estrelas, um retrato inspirado do homem que logra sonhos ao mentir que faz cinema e desperta sentimentos ambíguos no espectador, ao apoiar ou não seu meio de sobrevivência. . Tornatore talvez só tenha a ambição de recriar um cinema de culto em seu país, das comédias de amor e fantasia, das divas lutadoras como Sophia Loren, Gina Lollobrigida, Ana Magnani. Sua Monica Belucci é um tributo a todas elas e não faz nem um pouco mal às pupilas assistir a uma hora e meia de performance da deusa morena. É evidente essa proposta quando mais uma vez Tornatore usa suas próprias referências cinéfilas, transferindo-as a Renato em seus delírios como Tarzan ou John Wayne no clássico Nos Tempos da Diligência e possibilitando seu desejo de heroísmo. E ninguém passa incólume a um filme bonito no visual, embalado na trilha melosa de Ennio Morricone. Não é para meios-termos. Se gostar, seduzido está.
Abaixo postei alguns slides do filme acompanhados da bela trilha sonora composta por Enio Morricone.
Sempre fui amante de filmes e um leitor voraz, desde que me entendo por gente. Nunca deixei de achar fascinante o fato de que há histórias maravilhosas dentro de livros e de telas luminosas . Portanto, este blog é uma espécie de extensão do meu hábito de leitura e cinema. Aqui, comento sobre as obras que leio, os filmes que vejo e os comentários geralmente são mais de caráter pessoal do que técnico. A intenção deste espaço é servir de guia para os outros que, como eu, não conseguem ficar afastados de um bom livro ou de um filme espetacular. Ocasionalmente, teço opiniões sobre algum assunto de importância pública. Sejam bem-vindos!
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