segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A Misteriosa Chama da Rainha Loana de Umberto Eco


O que dizer deste livro? Fantástico! Inicialmente, preciso me referir ao escritor. Fantástico, no caso, é o próprio Umberto Eco, que nos leva, quase sem sentir, pelos meandros da mente do personagem Yambo, melhor dizendo pela não-mente, pois sua memória pessoal está apagada, só lhe restando as lembranças dos conhecimentos adquiridos através da leitura; um vasto conhecimento, diga-se de passagem, que vai desde os gibis infantis até aos mais afamados livros da literatura mundial, que ele domina com um grande conhecimento de línguas. Ele é um livreiro e comercia com livros antigos, raros.
Instigado por sua mulher, Paola,Yambo parte para o casarão do avô, na “campagna” piemontesa, em busca da memória perdida. Ali, no amplo escritório, no sótão atulhado de trastes e na capela escondida, encontram-se elos da corrente partida, e ele vai reaprendendo coisas antigas, através de livros, discos, revistas, cartazes, fotos… Porém, sua memória não volta. Ele está alucinado por algo que quase vem à sua mente, mas não surge nunca. A recordação do seu primeiro amor. Recorre a seu amigo mais íntimo, Giani, através de um longo telefonema, e sabe seu nome, Lila, e que seu rosto era parecido com o de sua esposa e o de sua secretária, Sibila. Esse fato revela que, inconscientemente, ele sempre esteve ligado ao seu primeiro amor.
E a busca incessante continua, mas a memória não volta. Ele revê as antigas propagandas do regime fascista, em que se louva a guerra e a morte, numa verdadeira lavagem cerebral das mentes juvenis. Recorda os hinos e os desfiles para-militares, com as bandeiras agitadas ao som dos tambores, que depois Hitler repetiria na Alemanha Nazista. Pobre juventude italiana massacrada sem piedade pela publicidade do estado totalitário, que até aqui chegou, pois eu me lembro das belas revistas que meu pai trazia da “Società Italiana”, muito bem impressas, com magníficos desenhos coloridos, que eu não cansava de folhear.
Aí, ao final de sua pesquisa, um momento mágico, quando encontra um antigo livro de Shakespeare, em primeira edição, que vale uma fortuna. Verdadeira sorte grande da loteria! Mas, que tremenda ironia, a sensação é tão forte que ele sofre um segundo ataque cerebral. A memória volta, mas ele está aprisionado no interior de um corpo estático, cataléptico, sem poder se comunicar com o exterior. Yambo sente a presença dos seres amados ao seu lado, mas estão em um mundo diferente, inacessível. Ele está preso em um universo pessoal, repleto das imagens de aventuras, desejos e leituras de sua adolescência. Nesse ponto, entende que Deus não existe, pelo menos no universo particular em que está aprisionado. O corpo é um bloco granítico no qual vaga a sua mente, povoando aquele mundo com os personagens de sua imaginação: os seres reais de sua infância e juventude ao lado dos imaginários da literatura mágica, que vão desde os contos de fadas às revistas de quadrinhos e dos livros de aventuras aos filmes. Entre outros, o Pirata Sandokan; o lendário Flash Gordon; este em companhia da bela Dale Arden e do inteligentíssimo cientista Zarkof; em luta com poderoso Ming, soberano supremo do Planeta Mongo… Sua memória volta quase totalmente, mas é falha em uma coisa: ele não consegue se recordar do rosto de sua amada. Tenta rezar, mas não adianta, pois Deus não existe. Em seu universo particular só existem ele e suas antigas recordações. Resolve, então, criar um Deus todo seu, e apela para a fantástica Rainha Loana, para que ela lhe devolva o rosto esquecido de sua amada. Apoteose! Todos os personagens de sua vida real juntamente com os heróis fantásticos desfilam na grande escadaria branca de seu liceu. Um a um vão surgindo e desaparecendo, até que, num grande final, surge a sua bela Lisa. Porém… Ele não consegue ver o seu rosto, pois um sol negro vai cobrindo a escada com sua luz sombria.
A ironia final do escritor. Será que Yambo ingressou no reino das sombras sem rever o rosto amado? É a conclusão lógica, mas nunca se sabe.
Volto a dizer: O que falar deste livro?
Primeiro, que ele é uma grande poesia em prosa, algo infinitamente difícil de realizar.
Segundo, a habilidade de um grande escritor, que nos leva, através das rotas, meandros e descaminhos de uma mente avariada, a ir conhecendo, pouco a pouco, o desenrolar de uma bela história, que, se não tem grandes lances de romantismo, encerra um paradoxo, pois se trata de uma história genuinamente romântica.
Portanto, só posso encerrar este pequeno resumo de uma forma:
Parabéns, Umberto Eco! Obrigado por mais uma excelente obra

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