O Padre (1995)
O lead é do mais puro brilho. Um velho padre olha enfezado, puto, profundamente puto, para as imagens de uma igreja, o Cristo, Nossa Senhora; na tomada seguinte, ele está carregando para fora da igreja uma grande cruz com o Cristo nela; crianças correm junto dele; ele pega um ônibus, seguido por um bando de crianças; corta; mostra-se um bispo, em uma casa rica, de grande janela de vidro, e, do ponto de vista do bispo, mostra-se a janela de vidro e, lá atrás, o padre vindo com a cruz como se fosse um ariete (como em O Pagador de Promessas); lá vem o padre, aproximando a cruz transformada em arma de guerra, para junto do vidro; quando o vidro explode, câmara de dentro da casa do bispo, surge o letreiro gigantesco: PRIEST.
O velho padre – veremos em seguida, assim que termina a bela apresentação – está tendo os seus trabalhos na paróquia dispensados. Veremos a história do velho padre contada ao longo do filme; é uma história amarga – ele não tem vocação, não concorda com o celibato, mas manteve-se na Igreja para não desagradar à mãe; e, depois que ela morre, ele já está velho, não poderia começar uma outra profissão, e então fica na Igreja; mas trata a Igreja como uma empresa da qual é empregado, pouco mais que isso; por isso a revolta quando, depois de décadas de bons serviços prestados, a empresa simplesmente o demite, o aposenta.
Mas não é o velho padre que importa tanto. Importam o novo padre, que o bispo chama para ficar no lugar do velho, na paróquia pobre, e o outro padre da mesma paróquia, maduro, vivido, quase em tudo o oposto do novo. O novo demonstra uma educação maior, mais certezas sobre o seu papel e o da Igreja, e um rigor muito maior no trato com algumas questões fundamentais: é mais ortodoxo, menos flexível, é contrário à politização dos sermões, é absolutamente contrário ao fato de o padre maduro ter uma relação marital quase totalmente às claras com a mulher que trabalha para eles. O maduro tem o discurso de um líder trabalhista radical; é vigorosamente contra a exigência do celibato, e vigorosamente contra a ditadura da hierarquia eclesiástica (ele fala, lá pelo fim do filme, uma frase brilhante; mais do que uma fase brilhante, um conceito brilhante: a Igreja exige o celibato para não ter que enfrentar na Justiça demandas de viúvas). O novo (Padre Greg, interpretado por Linus Roache, muito bom), é o que no Brasil seria um conservador; o maduro (Padre Matthew, interpretado por Tom Wilkinson, excelente) é um progressista aberto, claro, nítido; mais – é um libertário.
Padre Greg enfrenta um caso de abuso sexual contra Lisa, uma adolescente de 14 anos; ela revela o abuso, praticado pelo pai, na confissão. Esse é o grande fio condutor da história – além do fato de Padre Greg ser homossoxual.
O fato de ele ser homossexual só vai aparecer lá pela metade do filme, ou pouco antes da metade – e essa coisa de o que se coloca nas resenhas de filmes deveria ser repensada; a resenha da capa dá essa informação, e isso me parece um grande absurdo.
Eventualmente, lá pela segunda metade do filme, o Padre Greg é flagrado pela polícia com o namorado (interpretado por Robert Carlyle, de Uma Canção para Carla/Carla’s Song) no que eles chamam de ato obsceno em um carro; o caso vai para os jornais e para a Justiça. O suporte que recebe de Padre Matthew é tão imenso quanto o que não recebe do resto da Igreja.
O final do filme é tão brilhante quanto o começo. O Padre Matthew insiste em que os dois celebrem juntos uma missa de domingo. A pregação libertária que ele faz nessa missa é um manual de resistência ao atraso, ao conformismo. Ao final da missa e do filme, os dois se colocam para dar a comunhão; forma-se uma grande fila diante do Padre Matthew, mas ninguém se posta para receber o sacramento do “padre gay”, como alguém da congregação define; só Lisa, a adolescente que ele de alguma maneira salvou do abuso do pai, vai até ele. É tristíssimo, é emocionante, é lindo.
1 Comentários:
Resumindo, podre.
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